A Ignorância dos Alunos



É suposto que as introduções sirvam para situar os leitores, mas como esta é tão longa, já se devem ter perdido. Mas eu relembro: - Tudo começou com uma discussão de amigos, convictos de que a escola de antigamente, era muito melhor do que a actual…
Depois desta longa introdução, para fazerem uma pequena pausa, antes de se abalançarem para outro capítulo, convido-os a lerem o texto que se segue: “A Ignorância dos Alunos e o Eterno Regresso do Mesmo Discurso”.



A IGNORÂNCIA DOS ALUNOS E O ETERNO REGRESSO DO MESMO DISCURSO

“É difícil situar com rigor o período em que se generaliza a ideia que os alunos são cada vez mais ignorantes. Estamos perante um discurso atemporal que produz, utilizando critérios próprios de cada momento, uma argumentação plausível e verificável. A emergência das ciências humanas e a forma como a psicologia é aplicada à educação a partir do final do século XIX concedem-lhe um verniz de cientificidade e objectividade.

Aqui ficam algumas citações, década a década:

“A maioria dos estudantes (…) desfalece perante o mais rudimentar trabalho analítico; raciocina errado, se raciocina; não sabe observar; não sabe classificar: deduz mal, induz pior” (Decreto de 1894).

“Em Portugal, o aluno sai da escola primária um verdadeiro ignorante” 
(Albano  Ramalho, 1909).

“Os alunos (…) aproveitam pouco, pela sua falta de preparação liceal, pela nenhuma assiduidade da maioria deles e por não completarem em casa com estudo aturado as doutrinas exibidas na aula” (J. Leite de Vasconcelos, 1915).

“É manifesta a falta de preparação que os alunos dos liceus apresentam ao ingressarem nos estudos superiores: deficiências de conhecimentos científicos e de desenvolvimento mental” (Eusébio Tamagnini, 1927).

“Verifica-se nas respostas de muitos examinandos uma ignorância absoluta de certas matérias e lêem-se em muitas delas os disparates mais fantásticos” 
(Alves de Moura, 1939).

“Quem anda envolvido nas lides do ensino sabe a dose de benevolência que é preciso empregar para não excluir maior número de alunos, dado o grau de preguiça e de indigência mental a que se chegou” (João Anglin, 1947).

- “O nível mental da maioria dos alunos do ensino liceal é muito baixo”
 (Fernando Pinho de Almeida, 1955).

As referências poderiam continuar, registando essa espécie de passa-culpas que Octávio Dordonnat denuncia em 1949: “o professor universitário diz que os alunos vêm muitíssimo mal preparados; por sua vez, o professor liceal não perde a oportunidade de afirmar que o seu trabalho é prejudicado pela deficiente preparação dada na escola primária; o professor primário esse, na impossibilidade de atribuir culpas a inferior grau de ensino, queixa-se da influência perniciosa das famílias ou do atraso mental das crianças”. (…)

São ideias persuasivas e persistentes, que servem apenas para “desculpabilizar” ou para “denunciar”. Neste caso, “optimistas” e “pessimistas” situam-se exactamente no mesmo plano: uns e outros recusam-se a um esforço de análise e de compreensão. Candidamente revelam a sua ignorância (dos factos, das estruturas, das escolas) para demonstrarem a ignorância dos alunos”.


*  Nóvoa António In “ Evidentemente - Histórias da Educação” – Pág. 57





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