"Na fase de expansão dos
sistemas educativos, descobre-se a importância do “livro escolar” enquanto instrumento didáctico, mas também
enquanto negócio cada vez mais lucrativo. É impossível compreender algumas
controvérsias pedagógicas sem atender a esta dimensão inconfessada do problema.
As conferências e os
congressos pedagógicos da final do século XIX debruçam-se longamente sobre os
livros escolares, tecendo duras críticas à sua qualidade e aos interesses
ocultos dos seus autores. Em 1883, Adolfo Coelho diz que eles são feitos por
“simples literatos mais ou menos obscuros” concluindo: “ quando se pensa que
são esses os instrumentos mais usados no nosso ensino primário compreende-se
como esse ensino não tem valor educativo e leva apenas à prática mecânica de
certas operações”.
As “comissões de apreciação
dos livros escolares” tiveram distintas designações, mas todas deram origem a
polémicas intermináveis. A leitura dos seus relatórios demonstra a centralidade
que o livro escolar adquire na organização curricular. São muitos os pedagogos
que se batem contra este peso excessivo, defendendo que o manual poderia ser
substituído, com vantagem, por materiais confeccionados pelos próprios
professores. Palyart Pinto Ferreira resume estas críticas quando escreve, em
1924, que se pusermos em causa a liberdade dos professores na escolha dos métodos
de ensino estaremos a promover não o interesse pela pedagogia, mas a pedagogia
do interesse”.
Neste sentido, em 1928,
Joaquim Tomás considera haver, entre o “franco-livrismo” defendido pelos
editores escolares e as políticas de “limitação” e de “controlo”, uma série de
opções, entre as quais a manutenção de um concurso oficial para aprovação dos
livros. Na sua opinião, o Estado não se pode desinteressar “de um assunto de
tal magnitude e de tão profunda influência na vida nacional”.
O regime Salazarista põe
fim a estas polémicas, instaurando o livro único. Assegurava assim, a qualidade
formal dos manuais, bem como o controlo dos seus conteúdos e, sobretudo, das
suas doutrinas. Esta decisão contribui para uma uniformização do trabalho
pedagógico, no quadro de uma cultura didáctica normativa (…). Instauram-se,
então, procedimentos pedagógicos que ainda hoje perduram nas nossas escolas,
pois não há muitos professores que já se tenham libertado das “práticas
mecânicas” e da “ ditadura” do livro escolar.
Após 1974, aboliu-se o
livro único, mas os diversos interesses existentes no sector impediram a
definição de uma política de bom senso que protegesse os direitos dos alunos e
a sua adequada formação escolar. Como dizia Joaquim Tomás, há domínios em que o
principio da liberdade absoluta não se pode aplicar, pois “não basta que as
coisas nos apareçam teoricamente boas; é mister que praticamente o sejam”.
Nóvoa, António
Nóvoa, António
In “
Evidentemente - Histórias da Educação” – Pág. 91
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